deturpações e mentiras do Governo e da gerência
Por que pára o <em>Metro</em>?
Desde Junho de 2006, ocorreram no Metropolitano de Lisboa dez greves, todas com índices de adesão muito fortes, apenas com um objectivo: evitar que o Acordo de Empresa deixe de vigorar a partir do último dia de 2007. Não estão em causa reivindicações monetárias. Tem sido mais expressa a compreensão dos passageiros, privados do meio habitual de transporte nos períodos de luta dos trabalhadores. A campanha do Governo e do conselho de gerência do Metro, tentando apontar os «privilégios» dos funcionários, atinge dimensões inéditas.
Sobre os motivos da luta dos trabalhadores do Metropolitano, as posições dos comunistas, a acção dos sindicatos e os argumentos da empresa e da tutela, falámos com os camaradas Diamantino Lopes e Anabela Carvalheira.
«Desde o 25 de Abril, estas greves foram as que tiveram maior adesão dos trabalhadores»
Anabela Carvalheira, fiscal do Metro, há 16 anos na empresa, é dirigente da Festru/CGTP-IN e faz parte do executivo do sector de Transportes da Organização Regional de Lisboa do PCP. Diamantino Lopes é maquinista do Metro, onde trabalha há 25 anos, dirigente da Festru e, nas reuniões com o conselho de gerência e o Governo, tem sido o porta-voz das cinco estruturas sindicais representativas dos trabalhadores.
Com a reunião negocial de 17 de Janeiro, foi iniciado um período em que pareceram estar criadas condições para que sejam evitadas mais greves. Na reunião seguinte, dia 24, como refere uma informação da comissão sindical negociadora, a proposta apresentada pela gerência vem considerar a prorrogação da vigência do AE até 30 de Junho de 2010, pelo que, «como entendemos que a negociação é um processo evolutivo, o CG admitirá a data de referência que é o objecto do conflito» (final de 2011).
Só que a proposta contém «um conjunto de alterações ao clausulado geral, que ultrapassa as quatro ou cinco questões que o CG tinha indiciado», algumas das quais, «a serem alteradas, prejudicariam grandemente o futuro de todos os trabalhadores da empresa».
Os sindicatos da Festru e o STTM, o Sindem, o Sitra e a Fetese reafirmaram ao CG que «estão dispostos a discutir e negociar alguma matéria da proposta da empresa, desde que a mesma não ponha em causa a segurança dos passageiros, dos trabalhadores e bens da empresa». «Não é possível» negociar todas as propostas do conselho de gerência e este não pode «criar engulhos que impeçam o bom andamento das negociações, como hoje aconteceu», conclui a informação divulgada aos trabalhadores.
Já uma fonte do conselho de gerência, não identificada, disse nessa quarta-feira à agência Lusa que «o que está em discussão é um novo acordo de empresa, e não o prolongamento da vigência do actual, que termina em Dezembro», posição que dá uma ideia do significado dos «engulhos» denunciados pelos sindicatos. À comunicação social, estes admitiram que poderão chamar os trabalhadores para novas formas de luta.
Avante! – As alterações que o CG e o Governo querem introduzir no AE visam alterar o quê?
Diamantino Lopes: Dia 24 disseram-nos o que querem alterar. O que, na reunião anterior, nos queriam apresentar era uma revisão total do Acordo de Empresa. Nós rejeitámos essa intenção e esperámos que na semana seguinte nos indicassem quatro ou cinco questões que a gerência considere fulcrais para revisão. Mas, aos jornalistas, no fim dessa primeira reunião, adiantaram que pretendem aumentar para quatro horas consecutivas o limite máximo de tripulação dos maquinistas, e isso nós não aceitamos negociar, porque tem a ver com a segurança.
Aquilo que hoje vigora, e que tem sido mal explicado à opinião pública, resultou da implantação da tripulação em regime de agente único. Antes de 1995, quando ainda circulava um maquinista com um factor, já havia, por motivos de segurança, um limite de quatro horas, para a duração máxima de um período de trabalho, numa jornada de 7,5 horas. Ao passar ao regime de agente único, foi acordada com a empresa a redução desse limite para três horas, pois o maquinista passava a circular sozinho, numa tarefa no subsolo, desgastante, muito rotineira e que exige extrema concentração. No tempo restante da jornada de 7,5 horas, em dois períodos de 45 minutos, o maquinista fica na situação de reserva, e pode assegurar manobras das composições nos cais terminais.
A segurança está a perder importância no Metro?
DL: Não podemos aceitar que princípios como estes sejam postos em causa. Mas temos notado, de há uns anos a esta parte, que as gestões do Metro não estão preocupadas em manter a bandeira da segurança, como sempre foi norma nesta empresa, com o resultado que se conhece. Por alguma razão, em Portugal não temos tido acidentes, como acontece noutros países. É importante ter isto presente.
Anabela Carvalheira: O CG argumenta que não tem trabalhadores para sobrepor, para fazer a mudança de escalas, respeitando o limite das três horas seguidas de condução. Mas não pode ignorar que, depois de entrar ao serviço, o maquinista tem apenas paragens de dois minutos, em cada estação, e não pode beber um copo de água, não pode ir à casa-de-banho, não pode sentir-se mal disposto.
Nas outras matérias, a proposta do CG é para aplicar no Metro e colocar no AE os conteúdos do Código do Trabalho. Mas há cláusulas que não se podem aplicar à realidade da nossa empresa e há outras que são ainda mais graves para os trabalhadores do que aquilo que está no Código...
Como as greves começaram há alguns meses, isso significa que a luta dos trabalhadores em defesa do AE não foi desencadeada por nenhuma proposta concreta do conselho de gerência?
DL: Isto começou tudo nas negociações salariais, há um ano. Perante a perspectiva de uma actualização salarial muito insuficiente, avançámos com outras matérias, entre as quais a garantia de vigência do Acordo de Empresa até ser substituído por outro. Na negociação, alterámos a proposta para prorrogação da vigência até 2011, o que foi então aceite pela empresa como base negocial. Mas em Abril disseram-nos que não poderiam mexer nesta cláusula e, depois, até adiantaram que era por imposição da tutela.
Em Junho, acabámos por avançar para dois dias de greve, anunciando outros dois dias para Setembro. Só que quem tutela o Metropolitano não quis ouvir o alerta de descontentamento dos trabalhadores e não aproveitou o período a seguir à primeira greve para reunir com os sindicatos. Sucedeu até que, numa reunião de conciliação, no Ministério do Trabalho, na véspera das greves de Setembro, o CG aceitou o compromisso de apresentar as suas propostas... e poucos dias depois acabou por vir dizer que não fazia sentido dar esse passo, porque o AE só terminava em Dezembro de 2007.
Isto dizia-nos, em Setembro, o CG cessante e, disse-nos, agora, em Janeiro, o novo CG. Nitidamente, o que têm em comum entre si são as determinações da tutela, embora esta recuse assumir que assim é.
AC: Com essa reunião, em Setembro, e com o que viram desta nova administração – que nunca consegue pensar à nossa frente, tem sempre que «ir pensar» três ou quatro dias, o que indicia que é preciso ir perguntar a alguém o que fazer – os trabalhadores foram deixando de acreditar de todo nas promessas do conselho de gerência e estão motivados para continuarem a lutar pelo AE.
DL: Desde os últimos tempos do anterior CG, notou-se falta de autonomia e de poder de decisão da gestão. Com o novo CG, empossado em Outubro, o presidente reuniu connosco num dia, para saber das nossas motivações para a greve. Marcou uma segunda reunião, para uma semana depois, onde admitiu aceitar já a prorrogação do AE, por um ano, e iniciar a seguir as negociações das matérias do clausulado. Pediu-nos um dia «para reflectir», mas a reunião acabou por realizar-se só passados alguns dias. Foi então que veio com um discurso totalmente diferente, dizendo que não faria sentido falar na prorrogação do acordo.
Nestes 20 anos de actividade sindical no Metro, já vi passar muitos conselhos de gerência, mas, sinceramente, não me lembro de nenhum assim tão manietado pelo Governo.
AC: Eu tenho menos anos disto, mas lembro-me de estarmos a reunir de manhã, com o conselho de gerência, e durante a tarde conseguíamos fechar o acordo. Agora, a resposta só vem passados dias.
E a resposta dos trabalhadores foram novas greves...
DL: Foram convocadas greves para 19 de Dezembro e para 9 e 11 de Janeiro. É de realçar que, desde o 25 de Abril, estas greves foram as que tiveram maior adesão dos trabalhadores, sempre muito próxima dos 100 por cento, até em áreas com menos tradição de luta. O CG apresentou números mais baixos, mas para isso foi contar cerca de 200 técnicos superiores, que são abrangidos pelo «AE2» e cujos sindicatos não entregaram pré-aviso de greve. Para cerca de 1500 trabalhadores, vigora o chamado AE1.
Do ponto de vista formal, o acordo tem vigência até ao fim de Dezembro próximo. Sem a «força jurídica» do seu lado, como é que os trabalhadores, em vez de desanimarem e desistirem, acabaram por reagir com tanta combatividade?
AC: Os trabalhadores, informados pelos seus sindicatos, perceberam claramente que o CG, sendo porta-voz do Governo, o que pretende é acabar com o AE que foi construído ao longo de muitos anos, negociado entre as partes. Os trabalhadores foram ganhando consciência de que estava muito de si nos acordos alcançados com a empresa. Se não fizéssemos nada até 31 de Dezembro de 2007, estaríamos a dar ao CG a possibilidade de entrar no período de caducidade e apresentar um acordo completamente diferente, como acabou por fazer agora. Os trabalhadores compreenderam que era preciso fazer algo imediatamente, antes que fosse demasiado tarde.
Não os vejo a desanimarem, antes pelo contrário.
DL: No fundo, a movimentação dos trabalhadores tem a ver com o facto de já existir AE no Metro há mais de 30 anos. Mas este acordo, ao contrário do que até o ministro dos Transportes veio dizer, não tem 30 anos, ele tem sido negociado e actualizado várias vezes, com alterações de clausulado. Isso ocorreu também em 2004 e 2005, depois de estar em vigor o actual Código do Trabalho e a respectiva lei de Regulamentação.
Os trabalhadores têm consciência de que foram construindo este acordo, ano a ano, com cedências, muitas vezes monetárias, para poderem adquirir direitos sociais. Desde 1995, por exemplo, houve alterações substanciais nas categorias profissionais, a partir de propostas da empresa, levando trabalhadores a desempenharem tarefas de outras categorias profissionais, que acabaram por ser extintas. Havia, por exemplo, 270 maquinistas e outros tantos factores; como já referi, em vez destes dois agentes, os comboios passaram a circular em regime de agente único, apenas com o maquinista. Outro exemplo: nas equipas de manutenção, em vez de um serralheiro e um electricista, foi dada formação aos trabalhadores e passou a haver apenas um electromecânico.
Isto ocorreu em todas as áreas e propiciou à empresa grandes ganhos de produtividade.
Houve despedimentos?
DL: Não houve despedimentos, mas foram reduzidas centenas de postos de trabalho. As admissões não compensaram as saídas dos trabalhadores que a empresa aliciou para a reforma. Com mais de 55 anos de idade ficou só uma mão-cheia de trabalhadores.
Com essa redução de postos de trabalho, devem ter saído da empresa muitos militantes do Partido...
AC: Saíram, claro. Mas penso que nestes anos temos feito um excelente trabalho. Recrutámos bastantes camaradas novos para o Partido, nos últimos tempos, alguns deles até nem tinham muito actividade sindical, mas têm todos participado, têm ajudado a esclarecer outros trabalhadores, têm estado nos piquetes de greve... Penso que, se não estivéssemos a procurar fazer o melhor trabalho possível, na célula do Partido, também não seria possível ter tão fortes níveis de adesão às greves.
Também parece não ter acontecido nestas lutas aquilo que, tantas vezes, algumas organizações sindicais fizeram, sempre dispostas a ceder sem luta...
DL: Hoje na luta pelo AE estamos cinco estruturas sindicais. Além da Festru, cujos sindicatos representam cerca de 900 trabalhadores do Metro, contamos com dois sindicatos filiados na UGT e dois «independentes». Não se notou, mas mesmo que houvesse alguma tentação de um ou outro dirigente, era impossível não estarem os sindicatos unidos, precisamente por causa da forte consciência que há, entre os trabalhadores, da necessidade de defender o AE. Já antes sucedeu, como nas greves dos bilheteiros, que um sindicato da UGT não nos acompanhou, mas os seus associados continuaram a fazer greve ao lado dos restantes trabalhadores.
Como sentiram a reacção dos utentes?
DL:Surpreendentemente, e apesar de já estarmos com dez dias de greve, tem havido uma compreensão e até aceitação da nossa luta por parte dos passageiros, salvo raras excepções. O Governo e o CG têm-se apercebido disso e mostraram-se preocupados. O actual presidente do Metro já veio falar mais vezes para a comunicação social, em apenas mês e meio, do que o anterior, em três anos. Resolveu até, de forma deturpada, trazer a público salários, direitos (mesmo mentindo, como quando fala em 36 dias de férias), tentando virar a opinião pública contra os trabalhadores. Até o próprio ministro da tutela se deu ao luxo de vir atacar o nosso AE.
O mito do défice
A secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, disse na semana passada, na Assembleia da República, que a revisão do AE é necessária para garantir a sustentabilidade do serviço público. Segundo foi noticiado, citou dados do Governo, indicando que o Metro conta um passivo acumulado de 3,3 mil milhões de euros, apresentando um défice operacional de cem milhões de euros, no ano de 2005. Referiu ainda que, nesse ano, os custos com pessoal representaram 92 milhões de euros.
Acabar com o AE poderá ter, para a empresa, algum efeito de diminuição do défice das contas do <Metro?
Os nossos entrevistados salientam que não está em causa nenhuma reivindicação de ordem monetária. Com a prorrogação da vigência do AE os trabalhadores não terão nenhum benefício mais.
«Mas não é de mais lembrar que o problema do défice não tem origem naquilo que o Metro paga aos trabalhadores» – acrescenta Diamantino Lopes. Anabela Carvalheira admite que algumas alterações pretendidas pela gerência possam permitir ganhos pontuais de produtividade.
Mas, frisam ambos, o défice do Metro tem razões muito mais profundas e mais graves:
- são os milhões de euros de derrapagem orçamental, por exemplo, na estação do Terreiro do Paço e na linha para Santa Apolónia;
- foram os milhões gastos na Linha Vermelha, para implementar a condução automática, um sistema que nem chegou a ser utilizado;
- foram mais milhões, gastos no fecho da rede, com um sistema de controlo de acessos de passageiros que já era obsoleto e que, por causa do encerramento do túnel do Rossio da CP, teve que ser desactivado em várias estações;
- são outros milhões, que o Governo não paga de indemnizações compensatórias, enquanto favorece os operadores privados na repartição das verbas do passe social, como já foi reconhecido pela Comissão Interministerial de Análise às Contas Públicas, em 2002, e pelo Tribunal de Contas, numa auditoria realizada em 2001.
Com a reunião negocial de 17 de Janeiro, foi iniciado um período em que pareceram estar criadas condições para que sejam evitadas mais greves. Na reunião seguinte, dia 24, como refere uma informação da comissão sindical negociadora, a proposta apresentada pela gerência vem considerar a prorrogação da vigência do AE até 30 de Junho de 2010, pelo que, «como entendemos que a negociação é um processo evolutivo, o CG admitirá a data de referência que é o objecto do conflito» (final de 2011).
Só que a proposta contém «um conjunto de alterações ao clausulado geral, que ultrapassa as quatro ou cinco questões que o CG tinha indiciado», algumas das quais, «a serem alteradas, prejudicariam grandemente o futuro de todos os trabalhadores da empresa».
Os sindicatos da Festru e o STTM, o Sindem, o Sitra e a Fetese reafirmaram ao CG que «estão dispostos a discutir e negociar alguma matéria da proposta da empresa, desde que a mesma não ponha em causa a segurança dos passageiros, dos trabalhadores e bens da empresa». «Não é possível» negociar todas as propostas do conselho de gerência e este não pode «criar engulhos que impeçam o bom andamento das negociações, como hoje aconteceu», conclui a informação divulgada aos trabalhadores.
Já uma fonte do conselho de gerência, não identificada, disse nessa quarta-feira à agência Lusa que «o que está em discussão é um novo acordo de empresa, e não o prolongamento da vigência do actual, que termina em Dezembro», posição que dá uma ideia do significado dos «engulhos» denunciados pelos sindicatos. À comunicação social, estes admitiram que poderão chamar os trabalhadores para novas formas de luta.
Avante! – As alterações que o CG e o Governo querem introduzir no AE visam alterar o quê?
Diamantino Lopes: Dia 24 disseram-nos o que querem alterar. O que, na reunião anterior, nos queriam apresentar era uma revisão total do Acordo de Empresa. Nós rejeitámos essa intenção e esperámos que na semana seguinte nos indicassem quatro ou cinco questões que a gerência considere fulcrais para revisão. Mas, aos jornalistas, no fim dessa primeira reunião, adiantaram que pretendem aumentar para quatro horas consecutivas o limite máximo de tripulação dos maquinistas, e isso nós não aceitamos negociar, porque tem a ver com a segurança.
Aquilo que hoje vigora, e que tem sido mal explicado à opinião pública, resultou da implantação da tripulação em regime de agente único. Antes de 1995, quando ainda circulava um maquinista com um factor, já havia, por motivos de segurança, um limite de quatro horas, para a duração máxima de um período de trabalho, numa jornada de 7,5 horas. Ao passar ao regime de agente único, foi acordada com a empresa a redução desse limite para três horas, pois o maquinista passava a circular sozinho, numa tarefa no subsolo, desgastante, muito rotineira e que exige extrema concentração. No tempo restante da jornada de 7,5 horas, em dois períodos de 45 minutos, o maquinista fica na situação de reserva, e pode assegurar manobras das composições nos cais terminais.
A segurança está a perder importância no Metro?
DL: Não podemos aceitar que princípios como estes sejam postos em causa. Mas temos notado, de há uns anos a esta parte, que as gestões do Metro não estão preocupadas em manter a bandeira da segurança, como sempre foi norma nesta empresa, com o resultado que se conhece. Por alguma razão, em Portugal não temos tido acidentes, como acontece noutros países. É importante ter isto presente.
Anabela Carvalheira: O CG argumenta que não tem trabalhadores para sobrepor, para fazer a mudança de escalas, respeitando o limite das três horas seguidas de condução. Mas não pode ignorar que, depois de entrar ao serviço, o maquinista tem apenas paragens de dois minutos, em cada estação, e não pode beber um copo de água, não pode ir à casa-de-banho, não pode sentir-se mal disposto.
Nas outras matérias, a proposta do CG é para aplicar no Metro e colocar no AE os conteúdos do Código do Trabalho. Mas há cláusulas que não se podem aplicar à realidade da nossa empresa e há outras que são ainda mais graves para os trabalhadores do que aquilo que está no Código...
Como as greves começaram há alguns meses, isso significa que a luta dos trabalhadores em defesa do AE não foi desencadeada por nenhuma proposta concreta do conselho de gerência?
DL: Isto começou tudo nas negociações salariais, há um ano. Perante a perspectiva de uma actualização salarial muito insuficiente, avançámos com outras matérias, entre as quais a garantia de vigência do Acordo de Empresa até ser substituído por outro. Na negociação, alterámos a proposta para prorrogação da vigência até 2011, o que foi então aceite pela empresa como base negocial. Mas em Abril disseram-nos que não poderiam mexer nesta cláusula e, depois, até adiantaram que era por imposição da tutela.
Em Junho, acabámos por avançar para dois dias de greve, anunciando outros dois dias para Setembro. Só que quem tutela o Metropolitano não quis ouvir o alerta de descontentamento dos trabalhadores e não aproveitou o período a seguir à primeira greve para reunir com os sindicatos. Sucedeu até que, numa reunião de conciliação, no Ministério do Trabalho, na véspera das greves de Setembro, o CG aceitou o compromisso de apresentar as suas propostas... e poucos dias depois acabou por vir dizer que não fazia sentido dar esse passo, porque o AE só terminava em Dezembro de 2007.
Isto dizia-nos, em Setembro, o CG cessante e, disse-nos, agora, em Janeiro, o novo CG. Nitidamente, o que têm em comum entre si são as determinações da tutela, embora esta recuse assumir que assim é.
AC: Com essa reunião, em Setembro, e com o que viram desta nova administração – que nunca consegue pensar à nossa frente, tem sempre que «ir pensar» três ou quatro dias, o que indicia que é preciso ir perguntar a alguém o que fazer – os trabalhadores foram deixando de acreditar de todo nas promessas do conselho de gerência e estão motivados para continuarem a lutar pelo AE.
DL: Desde os últimos tempos do anterior CG, notou-se falta de autonomia e de poder de decisão da gestão. Com o novo CG, empossado em Outubro, o presidente reuniu connosco num dia, para saber das nossas motivações para a greve. Marcou uma segunda reunião, para uma semana depois, onde admitiu aceitar já a prorrogação do AE, por um ano, e iniciar a seguir as negociações das matérias do clausulado. Pediu-nos um dia «para reflectir», mas a reunião acabou por realizar-se só passados alguns dias. Foi então que veio com um discurso totalmente diferente, dizendo que não faria sentido falar na prorrogação do acordo.
Nestes 20 anos de actividade sindical no Metro, já vi passar muitos conselhos de gerência, mas, sinceramente, não me lembro de nenhum assim tão manietado pelo Governo.
AC: Eu tenho menos anos disto, mas lembro-me de estarmos a reunir de manhã, com o conselho de gerência, e durante a tarde conseguíamos fechar o acordo. Agora, a resposta só vem passados dias.
E a resposta dos trabalhadores foram novas greves...
DL: Foram convocadas greves para 19 de Dezembro e para 9 e 11 de Janeiro. É de realçar que, desde o 25 de Abril, estas greves foram as que tiveram maior adesão dos trabalhadores, sempre muito próxima dos 100 por cento, até em áreas com menos tradição de luta. O CG apresentou números mais baixos, mas para isso foi contar cerca de 200 técnicos superiores, que são abrangidos pelo «AE2» e cujos sindicatos não entregaram pré-aviso de greve. Para cerca de 1500 trabalhadores, vigora o chamado AE1.
Do ponto de vista formal, o acordo tem vigência até ao fim de Dezembro próximo. Sem a «força jurídica» do seu lado, como é que os trabalhadores, em vez de desanimarem e desistirem, acabaram por reagir com tanta combatividade?
AC: Os trabalhadores, informados pelos seus sindicatos, perceberam claramente que o CG, sendo porta-voz do Governo, o que pretende é acabar com o AE que foi construído ao longo de muitos anos, negociado entre as partes. Os trabalhadores foram ganhando consciência de que estava muito de si nos acordos alcançados com a empresa. Se não fizéssemos nada até 31 de Dezembro de 2007, estaríamos a dar ao CG a possibilidade de entrar no período de caducidade e apresentar um acordo completamente diferente, como acabou por fazer agora. Os trabalhadores compreenderam que era preciso fazer algo imediatamente, antes que fosse demasiado tarde.
Não os vejo a desanimarem, antes pelo contrário.
DL: No fundo, a movimentação dos trabalhadores tem a ver com o facto de já existir AE no Metro há mais de 30 anos. Mas este acordo, ao contrário do que até o ministro dos Transportes veio dizer, não tem 30 anos, ele tem sido negociado e actualizado várias vezes, com alterações de clausulado. Isso ocorreu também em 2004 e 2005, depois de estar em vigor o actual Código do Trabalho e a respectiva lei de Regulamentação.
Os trabalhadores têm consciência de que foram construindo este acordo, ano a ano, com cedências, muitas vezes monetárias, para poderem adquirir direitos sociais. Desde 1995, por exemplo, houve alterações substanciais nas categorias profissionais, a partir de propostas da empresa, levando trabalhadores a desempenharem tarefas de outras categorias profissionais, que acabaram por ser extintas. Havia, por exemplo, 270 maquinistas e outros tantos factores; como já referi, em vez destes dois agentes, os comboios passaram a circular em regime de agente único, apenas com o maquinista. Outro exemplo: nas equipas de manutenção, em vez de um serralheiro e um electricista, foi dada formação aos trabalhadores e passou a haver apenas um electromecânico.
Isto ocorreu em todas as áreas e propiciou à empresa grandes ganhos de produtividade.
Houve despedimentos?
DL: Não houve despedimentos, mas foram reduzidas centenas de postos de trabalho. As admissões não compensaram as saídas dos trabalhadores que a empresa aliciou para a reforma. Com mais de 55 anos de idade ficou só uma mão-cheia de trabalhadores.
Com essa redução de postos de trabalho, devem ter saído da empresa muitos militantes do Partido...
AC: Saíram, claro. Mas penso que nestes anos temos feito um excelente trabalho. Recrutámos bastantes camaradas novos para o Partido, nos últimos tempos, alguns deles até nem tinham muito actividade sindical, mas têm todos participado, têm ajudado a esclarecer outros trabalhadores, têm estado nos piquetes de greve... Penso que, se não estivéssemos a procurar fazer o melhor trabalho possível, na célula do Partido, também não seria possível ter tão fortes níveis de adesão às greves.
Também parece não ter acontecido nestas lutas aquilo que, tantas vezes, algumas organizações sindicais fizeram, sempre dispostas a ceder sem luta...
DL: Hoje na luta pelo AE estamos cinco estruturas sindicais. Além da Festru, cujos sindicatos representam cerca de 900 trabalhadores do Metro, contamos com dois sindicatos filiados na UGT e dois «independentes». Não se notou, mas mesmo que houvesse alguma tentação de um ou outro dirigente, era impossível não estarem os sindicatos unidos, precisamente por causa da forte consciência que há, entre os trabalhadores, da necessidade de defender o AE. Já antes sucedeu, como nas greves dos bilheteiros, que um sindicato da UGT não nos acompanhou, mas os seus associados continuaram a fazer greve ao lado dos restantes trabalhadores.
Como sentiram a reacção dos utentes?
DL:Surpreendentemente, e apesar de já estarmos com dez dias de greve, tem havido uma compreensão e até aceitação da nossa luta por parte dos passageiros, salvo raras excepções. O Governo e o CG têm-se apercebido disso e mostraram-se preocupados. O actual presidente do Metro já veio falar mais vezes para a comunicação social, em apenas mês e meio, do que o anterior, em três anos. Resolveu até, de forma deturpada, trazer a público salários, direitos (mesmo mentindo, como quando fala em 36 dias de férias), tentando virar a opinião pública contra os trabalhadores. Até o próprio ministro da tutela se deu ao luxo de vir atacar o nosso AE.
O mito do défice
A secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, disse na semana passada, na Assembleia da República, que a revisão do AE é necessária para garantir a sustentabilidade do serviço público. Segundo foi noticiado, citou dados do Governo, indicando que o Metro conta um passivo acumulado de 3,3 mil milhões de euros, apresentando um défice operacional de cem milhões de euros, no ano de 2005. Referiu ainda que, nesse ano, os custos com pessoal representaram 92 milhões de euros.
Acabar com o AE poderá ter, para a empresa, algum efeito de diminuição do défice das contas do <Metro?
Os nossos entrevistados salientam que não está em causa nenhuma reivindicação de ordem monetária. Com a prorrogação da vigência do AE os trabalhadores não terão nenhum benefício mais.
«Mas não é de mais lembrar que o problema do défice não tem origem naquilo que o Metro paga aos trabalhadores» – acrescenta Diamantino Lopes. Anabela Carvalheira admite que algumas alterações pretendidas pela gerência possam permitir ganhos pontuais de produtividade.
Mas, frisam ambos, o défice do Metro tem razões muito mais profundas e mais graves:
- são os milhões de euros de derrapagem orçamental, por exemplo, na estação do Terreiro do Paço e na linha para Santa Apolónia;
- foram os milhões gastos na Linha Vermelha, para implementar a condução automática, um sistema que nem chegou a ser utilizado;
- foram mais milhões, gastos no fecho da rede, com um sistema de controlo de acessos de passageiros que já era obsoleto e que, por causa do encerramento do túnel do Rossio da CP, teve que ser desactivado em várias estações;
- são outros milhões, que o Governo não paga de indemnizações compensatórias, enquanto favorece os operadores privados na repartição das verbas do passe social, como já foi reconhecido pela Comissão Interministerial de Análise às Contas Públicas, em 2002, e pelo Tribunal de Contas, numa auditoria realizada em 2001.